Pe. Francisco Teixeira de Araújo, EP

Eva Lavallière fotografada em 1894 ou 1895 pelo Atelier Nadar..jpgNa Paris da Belle Époque, para onde acorriam visitantes do mundo inteiro à procura da “felicidade” proporcionada pelos prazeres, uma jovem provinciana começou a despontar em 1891 como estrela de primeira grandeza no universo das artes cênicas: Eva Lavallière, a mesma que aparece a seguir fotografada em 1894 ou
1895 por Atelier Nadar

No auge da fama e da infelicidade

Comediante genial aos 25 anos de idade, favorecida por notável beleza e invejável voz, tornou-se logo uma das mais famosas atrizes da época.

Magnatas das finanças, intelectuais de prestígio, altas personalidades da política e da nobreza não perdiam ocasião de vê-la e aplaudi-la nos palcos da Cidade Luz. Ricos admiradores e “amigos” despejavam sobre ela uma chuva de dinheiro e de valiosos presentes. Amealhou assim considerável fortuna. Chegou-se a dizer que ela changeait de château comme de chapeau(mudava de castelo como de chapéu).

Nada lhe faltava, pois, segundo os critérios humanos, para ser feliz: à sua disposição estavam todos os deleites, tanto os lícitos como os pecaminosos, que a então capital mundial do prazer podia proporcionar. E ela os sorvia a largos haustos.

Mas era de fato feliz? Ela mesma responde.

Ao sacerdote que serviu de instrumento para sua conversão, confidenciou: “No meio dos meus maiores triunfos, trazia da cena uma indizível tristeza: chegava a chorar”. Algum tempo depois, em conversa com uma amiga íntima, escancarou o abismo de sua infelicidade: “Sofri toda a vida e tão cruelmente que me vi muitas vezes obcecada pela ideia do suicídio. Uma noite, em Londres, quando havia sido mais aplaudida que nunca, fui depois do espetáculo até o parque do teatro, que dava para o Tâmisa, e senti um tal horror pela vida que, inclinada à beira do rio, pensei: ‘E se acabasse com isto?'”.

A graça bate à porta de sua alma

Encontrava-se ela nesta situação quando, em 1917, alugou um castelo na cidadezinha de Chanceaux-sur-Choisille, onde se instalou com uma criada que lhe servia ao mesmo tempo de amiga e dama de companhia.

Ali veio a graça divina bater à porta da alma dessa rica, famosa e infeliz mulher cuja vida até então decorrera como se Deus fosse quella cosa con la quale o senza la quale tutto rimane tale e quale – uma coisa com a qual ou sem a qual o mundo vai tal qual. Sob a direção do pároco de Chanceaux, padre Auguste-Désiré Chasteigner, rememorou em poucos dias as verdades elementares da Fé e recuperou, por uma sincera confissão, a vida sobrenatural. Pôde então – depois de tantos anos! – receber a Sagrada Eucaristia.

Naquela alma regenerada pela graça não havia mais lugar para a comediante. Quando o padre Chasteigner lhe perguntou se ela pensava em retornar a Paris para reapresentar-se nos palcos, ouviu esta categórica resposta: “Como? Tirou-me da lama e quer jogar-me nela novamente? Nunca!”.

antigos cartões postais mostram o castelo de Chanceaux-sur-Choisille..jpg
postais mostrando o castelo de Chanceaux-sur-Choisille

E não ficou em meras palavras sua decisão: cortou todo relacionamento com seus amigos, admiradores e colegas de outrora, a ponto de nem sequer abrir as cartas que estes lhe remetiam.

antigos cartões postais mostram o castelo de Chanceaux-sur-Choisille.jpg
A mulher mais perfeitamente feliz

Que mudança na vida da Lavallière! Em lugar dos prazeres e aplausos de outrora, via-se cheia de sofrimentos e humilhações. Às comodidades proporcionadas pela imensa fortuna, sucederam-se as privações da pobreza, pois, reservando para sua subsistência uma renda insignificante, doara sua fortuna para obras pias, ou diretamente a pessoas necessitadas. Tudo isto rematado por uma grave e dolorosa enfermidade, ao que parece, enviada pela Providência para acrisolar sua alma.

Segundo os critérios humanos, deveria agora estar nadando num oceano de infelicidade. Entretanto, a realidade era bem outra, conforme ela mesma testemunha.

Em carta de fevereiro de 1918 ao padre Chasteigner, escreveu: “Estamos banhadas de felicidade à ideia de o rever, de rever a igrejinha em que recebemos Nosso Senhor e obtivemos a conversão”. A um membro da Academia Francesa, que a entrevistou em 1926, afirmou: “Sinto-me tão feliz! Não pode calcular quanto sou feliz!”. Por fim, ao se despedir do acadêmico, reforçou: “Diga àqueles que falarem de mim, a todos os que me conhecem, diga que sou a mulher mais feliz… a mais perfeitamente feliz…”.

Levou-a Deus da fugaz felicidade terrena para a eterna do Céu, em 1929.

Viver em função de Deus

Como explicar que, da infelicidade a ponto de encontrar-se à beira do suicídio, tenha se tornado ela em pouco tempo a mulher “mais perfeitamente feliz”?

Muito simples. A fonte da infelicidade de Eva Lavallière estava no egocentrismo: quanto mais sua vida girava em torno de sua própria pessoa, de seus interesses, mais tristeza sentia. Quando, por fim, esquecida de si mesma, passou a viver em função de Deus, pôde ela afirmar: “Sinto-me tão feliz! Não pode calcular quanto sou feliz!”.

Viver em função de Deus, eis a única fonte de verdadeira alegria! Nas primeiras linhas de suas famosas Confissões, Santo Agostinho – o qual, como a Lavallière, encontrou a felicidade só depois de perder grande parte da existência procurando-a onde não podia achá-la – sintetiza esta realidade numa frase genial: “Ó Deus, Vós nos criastes para Vós, e nosso coração vagueará inquieto enquanto não repousar em Vós”.

Portanto, quem quer levar uma vida feliz deve se perguntar: “O que preciso fazer para agradar a Deus, meu Criador, meu princípio e último fim?”.

O santo é um homem feliz

Com sintético e agudo espírito francês, São Francisco de Sales afirma: “Um santo triste é um triste santo”. Ora, alegria e santidade são termos inseparáveis e até, em certo sentido, sinônimos; logo, pode-se dizer: “Um santo infeliz é um santo inexistente”. Pois o santo é, por definição, um homem feliz, cumpriu a sua missão nesta Terra.

Explica Mons. João Scognamiglio Clá Dias: “Sabemos que o centro de nossa vida e a fonte da alegria é Nosso Senhor Jesus Cristo; contudo, as ilusões do mundo apontam para uma pseudofelicidade baseada em boa carreira, na aquisição de um valioso patrimônio, numa posição de prestígio, num vantajoso casamento ou, talvez, em negócios lucrativos. Numa palavra, a felicidade para os que assim pensam está na matéria, e não em Deus. Eis aí o lamentável equívoco”.

Portanto, quem deseja de fato alcançar a felicidade deve procurá-la no lugar certo: na prática fiel e amorosa dos Mandamentos.

Quer ser feliz? Quer ser muito feliz? Compartilhe sua alegria com os irmãos na Fé, ensinando-lhes o caminho da verdadeira felicidade e ajudando-os a segui-lo. Nossos bens temporais se reduzem quando os partilhamos com outros. Com os bens espirituais, entretanto, ocorre o contrário: quanto mais os distribuímos, mais ricos ficamos.

(Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2016, n. 176, pp. 19 – 20)