— E quanto ele quer para ficar do nosso lado?

Poupo ao leitor de saber a circunstância e o preço com que alguém (chamemo-lo assim…) se vendia para algo pouco louvável.

Não me viam, nem ouviam. Pude, portanto, pensar no que tudo aquilo significava.

Havia assistido anos atrás, um filme, aliás muito bem feito, ganhador de inúmeros prêmios internacionais, cujo título era “ O homem que não vendeu sua alma”.

O contraste com o que ouvira era total: como pode alguém vender-se, estando em jogo a sua salvação eterna?

O filme a que assistira, muito fiel à realidade histórica, mostrava algo de oposto: um homem que não vendera a sua alma

São Tomás Morus — pois é dele que se trata — encontrava-se numa situação aparentemente sem saída: tido como juiz íntegro em toda Inglaterra, era vivamente solicitado a dar aval a um ato verdadeiramente ilícito do Rei Henrique VIII. Este precisava — #precisava#, é bem a palavra adequada — que São Tomás desse um apoio público para o pecado que cometera.

Sagazmente, ofereceu a São Tomás o cargo de Primeiro Ministro dp Reino. Esperava que a ambição em conservar tão alto cargo levaria Tomás a ser dócil instrumento em suas mãos. Enganava-se rotundamente.

Este Rei, tristemente conhecido por ter assassinado suas sucessivas “esposas”, lançou então a armadilha: um juramento de fidelidade à supremacia do Rei, mesmo em relação ao Papa.

O juramento não era obrigatório, mas os olhos de todo o Reino se voltaram instintivamente para ver o que faria o Primeiro Ministro. Tomás prestaria o juramento, rompendo assim com o Papa? Ou continuaria fiel à fé católica?

Passaram-se os dias e ele não prestava o juramento. Se o fizesse estaria nas “boas graças” do Rei, mas romperia com o Papa.

Tomás não jurava, mas não dizia a ninguém porque não o fazia. Nem mesmo à sua esposa.

O Rei usou todos os recursos para levar Tomás a romper com Roma e aceitar a pretensa supremacia real. Tomás porém mantinha-se inflexível. Sabia entretanto que, dobrando-se à vontade pecaminosa do Rei, não haveria honra terrena que não pudesse esperar.

O Rei, impaciente, destituiu-o e o fez prisioneiro na Torre de Londres. Na prisão, mais um ardil do Rei: fez a esposa de Tomás tentar convencê-lo de ceder e prestar o juramento. Estabeleceu-se assim um curto diálogo entre os dois:

— Quanto tempo você acha que vamos viver e poder desfrutar dos favores do Rei? – Perguntou Tomás à esposa.

— 20, 25 anos… – Respondeu timidamente.

— E você acha que vou trocar a eternidade por 20 ou 25 anos?

* * *

E até o fim Tomás permaneceu firme em sua resolução de fidelidade ao Papa.

A maioria dos Bispos já prestara o juramento. Só Tomás mantinha-se inamovível.

A 6 de julho de 1635, foi decapitado.

Seu carrasco pediu-lhe perdão, como era costume e ouviu de Tomás a frase dita com alegria:

— Assim me mandas mais rápido para Deus.

Rezou então o Salmo, interrompido pelo machado do carrasco:

“Tende piedade de mim, ó Deus, segundo vossa grande misericórdia”.

Pouco antes, a pedido dos “magistrados” do Rei, disse umas palavras:

— O Rei mandou-me ser breve e eu o serei: morro fiel servo de Sua Majestade, Mas de Deus primeiro.

Foi canonizado em 1935 e recebeu do Papa João Paulo II o título de Patrono dos Governantes e Políticos. Isso ocorreu em 31 de outubro de 2000. Esperava o Santo Padre que servisse de modelo àqueles de quem passava a ser Patrono.