Ir. Maria Beatriz Ribeiro Matos, EP
Nesta Terra herdada de Adão, tudo o que é material está irremediavelmente condenado a perecer: as flores murcham, os alimentos se deterioram, a saúde humana se gasta, os edifícios se transformam em ruínas… Só um fator é necessário: o tempo.
Entretanto, para algumas criaturas, como certos vinhos, o decorrer dos anos parece ter o efeito contrário. Cada uma de suas numerosas variedades fermenta em ritmo próprio e após um período de repouso – seja em barricas de carvalho, seja na própria garrafa meticulosamente acondicionada nas caves -, entra no seu período de maturação.
Para o champagne e outros vinhos, este pode ser muito curto. Mas os mais reputados tintos Borgonha ou Rioja, cujas características se forjam pela lenta interação entre o mosto fermentado e a madeira, ainda vão dar o melhor de si só depois de evoluir na garrafa por vinte e cinco, trinta ou cinquenta anos. E mesmo tendo atingido seu apogeu, podem manter por mais algumas décadas – e até séculos! – a excelência de seu buquê. Por isso se diz que o vinho quanto mais velho melhor!
Durante a fermentação, contudo, o perigo de o mosto converter-se em vinagre é grande, pois o álcool, ao entrar em contato com o oxigênio, se transforma com facilidade em ácido acético. Para que isto não aconteça, são necessários cuidados especiais e, sobretudo, deve-se respeitar o processo adequado para o tipo de vinho e a variedade que se deseja obter.
Imaginemos agora uma garrafa de vinho que, no frio e escuro silêncio da adega, pudesse sentir a cozinheira passar. Ela vai buscar na despensa alguns ingredientes para fazer o pão, escolhe os melhores queijos para servir, mas nem lança um olhar de desprezo em direção à adega. “Desta vez houve uma distração… na próxima ocasião serei escolhido!”, pensa o vinho da garrafa.
Os anos se passam e a despensa vai sendo incessantemente reabastecida. A cozinheira se aposenta, uma mais jovem a substitui e, enquanto isso, o vinho permanece em sua garrafa, na estante, sem mudar de posição sequer. A camada de pó que a cobre se torna mais grossa e a rolha, ressequida e quebradiça.
Afinal, num dia como tantos outros, a porta da despensa se abre e escutam-se os passos de alguém dirigindo-se à adega. Como esta mesma cena se repetira durante tantos anos, o nosso vinho velho nem lhe dá importância: quem se interessaria por uma pobre garrafa esquecida num recanto empoeirado?
Contudo, logo escuta a voz do chefe da família dizer:
– Hoje é dia de grande festa! Há muito tempo tenho guardado um vinho especial à espera de que se requintasse.
E a garrafa sente uma mão que, cuidadosamente, a ergue e exclama:
– Agora, sim, está à altura!
O dono da casa, deixando o vinho tanto tempo guardado, lhe fez um mal ou um bem? Sem dúvida um bem, pois deu-lhe a oportunidade de atingir uma sublimidade inalcançável sem a espera.
Assim também nós. Quantas vezes nossas almas podem sentir-se como uma garrafa guardada em escura adega, para a qual Deus parece não Se dignar olhar!… Com frequência, ao atravessar circunstâncias difíceis e pedir auxílio ao Céu, podemos ter a impressão de que a Providência não nos ouve. Na realidade, quem suporta com fidelidade as esperas de Deus vai, como o bom vinho, galgando degraus rumo à perfeição.
Deve-se, porém, cuidar para que a alma não “se avinagre”, pois o espírito humano é frágil e fácil de se deixar abater pelo desânimo. Neste caso, o resultado da espera vai ser muito diferente do desejado…
Deus sabe o tempo de maturação adequado para todos. No momento oportuno Ele virá nos visitar. E não é que necessariamente tenhamos de estar “velhos” como certos vinhos. Na adega do Altíssimo há vetustos e complexos “borgonhas”, mas também “champagnes” de incomparável leveza, frescos “alvarinhos” e agrestes “chacolís”, e o Divino Despenseiro sabe esperar o tempo exato para cada um…
Revista Arautos do Evangelho – Janeiro 2016
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