Como muitos sabem, os três mosqueteiros eram quatro… Poucos, porém, conhecem outras obras igualmente agradáveis e atraentes do mesmo autor, Alexandre Dumas. Este literato francês do século XIX, não teve uma vida caracterizada pela piedade, mas arrebatou imaginações com seus romances de capa e espada. E foi, por sua vez, arrebatado, pela beleza da oração do Angelus ao pôr do sol. ⁽*⁾ Consegue ele pôr em palavras os imponderáveis maravilhosos da cena descrita a seguir.
— A Ave-Maria — disse o capitão em alta voz. A estas palavras, cada qual dirigiu-se ao convés.
De um extremo ao outro da Itália, essa oração, que cai em uma hora solene, encerra o dia e abre a noite. Esse momento do crepúsculo, em toda parte cheio de poesia, no mar é acrescido de uma santidade infinita.
Essa misteriosa imensidade do ar envolvente e das ondas, esse sentimento profundo da fraqueza humana comparada ao poder onipotente de Deus, essa escuridão que avança, e durante a qual o perigo, sempre presente, vai crescer ainda mais, tudo (…) inspirava à tripulação e a nós mesmos um profundo recolhimento.
A noite começava a tornar-se mais espessa no oriente (…) enquanto no ocidente o sol alargado e listrado de longas faixas violetas começava a embeber a orla de seu disco no Mar Tirreno, que, cintilante e movimentado, parecia rolar ondas de ouro derretido.
Nesse momento, o piloto levantou-se, tomou em seus braços o filho do capitão, que pôs de joelhos sobre o teto da cabine; e, abandonando o leme como se a embarcação estivesse suficientemente dirigida pela oração, sustentou o menino para que o balanço não lhe fizesse perder o equilíbrio.
Esse grupo singular destacou-se logo sobre um fundo dourado, semelhante a uma pintura célebre; e com uma voz fraca, que apenas chegava até nós, e que, entretanto, acabava de subir até Deus, começou o menino a recitar a prece virginal que os marinheiros escutavam de joelhos e nós inclinados.
Eis uma dessas lembranças para as quais o pincel é fácil e a pena insuficiente. Eis uma dessas cenas que narração alguma pode descrever, que nenhum quadro pode reproduzir, porque sua grandeza está inteira no sentimento íntimo dos atores que a realizam.
Para um leitor de viagens ou um amante das coisas do mar, não será senão uma criança que reza, homens que respondem e um navio que flutua. Mas, para qualquer pessoa que tiver assistido a uma cena parecida, será um dos mais magníficos espetáculos que tenha visto, uma das mais magníficas lembranças que tenha guardado; será a fraqueza que reza, a imensidade que olha, e Deus que escuta.
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⁽*⁾ (Alexandre Dumas (pai), “Le Speronare: La Sicile, impressions de voyage”, Ed Des Jonqueres, Paris, 1988, apud Guy Gabriel de Rider, revista “Arautos do Evangelho”, nº 19, julho de 2003, p. 24-25)
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