Imagine o leitor que em determinado país houvesse uma lei afirmando: “todo réu que reconhecer-se culpado, deve ser absolvido”. Se encontrássemos na entrada desse tribunal o letreiro “Tribunal de Justiça”, seria muito de estranhar; melhor seria colocar “Tribunal da Misericórdia”.
Pois bem, esse país existe. Tais sentenças de absolvição ao invés de favorecerem o crime, vão abolindo-o. E recuperando os delinquentes!
Qual é este país? Quem o governa? Quais são os juízes que assim procedem?
Este “país” existe, sim: é a Igreja Católica. Ou, para enunciar-lhe o nome completo, é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Seus “habitantes”, Jesus os entregou à proteção de sua própria Mãe Santíssima quando, do alto da Cruz, disse: “Eis aí o teu filho”. Nesse momento, São João Evangelista representava a humanidade inteira e mais particularmente os fiéis católicos.
A lei que estabelece o perdão do réu confesso chama-se Sacramento da Confissão. O juiz é o próprio Deus, na pessoa do Sacerdote. (Jo 20, 23) Por isso, quando este diz: “Eu te absolvo de todos os teus pecados”, conforme a doutrina da Igreja, é o próprio Deus que absolve. Do mesmo modo, na Consagração da Eucaristia, quando o sacerdote diz: “Este é o meu corpo”, não é o corpo dele, mas o de Jesus, conforme Ele mesmo afirmou. (Cf. Jo 6, 51-57; Mc 14, 22; Lc 22, 19)
Neste período do ano em que nos cabe a obrigação da confissão, vem a propósito alguns trechos sobre este Sacramento, divulgados pela revista francesa “L’Ami du Clergé”. (1)
Nestes trechos fica claro que bem se poderia colocar em cada confessionário o letreiro: TRIBUNAL DA MISERICÓRDIA.
”Dentre os sacramentos instituídos por Nosso Senhor para a salvação dos homens, um dos que certamente mais reflete sua misericórdia infinita é o da Confissão. Que alívio é para um cristão, sinceramente arrependido, saber que, no momento em que o sacerdote pronuncia a fórmula da absolvição, o próprio Deus perdoa as suas faltas, por maiores e mais numerosas que sejam.
Quantas vidas não terão mudado, quantos trágicos caminhos não terão se transformado em uma luminosa via, dentro da silenciosa penumbra de um pequeno confessionário?
Alguns pequenos fatos a respeito dessa maravilhosa instituição cristã mostram-se extremamente úteis tanto para a formação quanto para a edificação espiritual dos fiéis.
A confissão é a porta do Céu aberta até para os maiores pecadores e, por isso, ninguém deve se desesperar. Um dia o Pe. Milleriot, SJ, pregava um retiro em Paris e, falando da misericórdia, exclamava pitorescamente:
— Senhores, uma suposição! Se Judas, em vez de se desesperar e de se perder, fosse se encontrar com São Pedro e lhe dissesse:
— Queres escutar minha confissão?
São Pedro responderia:
— Ajoelha-te aí e comece.
— Oh! Eu sou muito desventurado, Pedro, eu vendi e traí meu Mestre.
— Fizeste só isso? Eu sou mais culpado que tu, eu O traí três vezes! Faça teu ato de contrição, e eu te darei a absolvição.
Um alto magistrado, em conversa com o padre de uma pequena paróquia, permitiu-se debochar da religião e, dentre outras coisas, da Confissão.
— Senhor padre — disse ele — eu não me confesso, pela simples razão de que não cometo pecados.
— Isso pode ser — replicou o sacerdote— e fico desgostoso a seu respeito, pois, de fato, existem pessoas que não pecam, mas conheço só dois tipos: aqueles que ainda não chegaram ao uso da razão e aqueles que a perderam.
Um santo teve uma visão na qual via Satanás de pé e de frente para o trono de Deus, o qual pôs-se a ouvir o que o espírito maligno lhe dizia:
— Por que me condenastes, se Vos ofendi apenas uma vez, dado que salvastes milhares de homens que Vos ofenderam várias vezes?
E Deus lhe respondeu:
— Mas, pediste-Me alguma vez perdão?
— Queres que eu te cure da gota? Então, promete-me que quebrarás todos os teus ídolos — disse um dia São Sebastião a um prefeito de Roma.— Prometo-te. O prefeito os quebrou, exceto um. E a gota continuava piorando cada vez mais. Então o santo explicou-lhe a necessidade de quebrar também o ídolo escondido que ele ainda adorava.
Quantos pecadores esquecem a necessidade do arrependimento de todos seus pecados. Não ousam quebrar o ídolo meticulosamente escondido em seu coração! O prefeito só foi curado depois de cumprir completamente a promessa.
De modo semelhante, se, na confissão ocultamos um só pecado, nenhum dos outros é perdoado.
Santo Antonino disse certa vez a um demônio que estava perto do confessionário:
— Que fazes aí?
— Estou restituindo.
— Oh! Que impressionante! Ficaste bem sábio!
— Sim, quando quero fazer cair um pecador, tiro-lhe toda vergonha, e agora, quando se trata de confessar, eu a devolvo.
Foi perguntado certo dia a um santo:
— Se, entrando numa igreja, visses dois confessionários, um ocupado por um padre e outro por um anjo, a qual irias de preferência?
— Nem levaria isso em conta —respondeu o homem de Deus — pois no confessionário não há mais homem nem anjo, mas apenas Jesus Cristo.
Em maio de 1883, um homem do mundo com problemas em seus negócios foi pedir assistência a Dom Bosco, então de passagem por Paris. Este, em vez de perguntar-lhe sobre seus negócios, replicava simples e muito docemente:
— Pois bem! É necessário confessar-se e comungar na Páscoa.
— Na situação de espírito em que me encontro é impossível, não tenho um momento sequer.
— Pois bem! É necessário confessar-se e comungar na Páscoa.
— Mas… mas…mas… — o homem dava todas as más desculpas de costume.
— Pois bem! É necessário confessar-se e comungar na Páscoa.
— Mas, alguma coisa o senhor me disse e eu não fiz?
— Pois bem! É necessário confessar-se e comungar na Páscoa.
Aquilo estava se tornando irritante; o homem de negócios zangou-se um pouco e terminou por dizer:
— Bem, é verdade, há quarenta anos que não comungo na Páscoa.
Por outro lado, o homem de Deus não se irritava, e repetia com a mesma calma:
— Pois bem! É necessário confessar-se e comungar na Páscoa.
No dia seguinte o homem de negócios retomou o caminho da Igreja para ocupar-se do único assunto que temos neste mundo: confessou-se e comungou na Páscoa.”
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(Traduzido, com adaptações, de “L’Ami du Clergé”, 1908, pp. 350-352; 508-509 e publicado originalmente no Brasil pela revista “Arautos do Evangelho”, nº 74, de fevereiro de 2008, pp. 30-31. Para acessar o exemplar do corrente mês clique aqui )
Ilustrações: Arautos do Evangelho, Sérgio Holmann, Wiki
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