Pequenos fatos, por vezes, marcam a História e por isso passam a ser grandes.
Um deles, pequeno na aparência, que marcou muito, é conhecido como “O colóquio de Óstia”. É apenas a conversa entre mãe e filho. Mas sua sublimidade parece não ter similar na História, pelo menos antiga.
Para compreendermos o alcance deste colóquio devemos recuar um pouco, como quem recua para melhor ver um quadro.
Os personagens são Santa Mônica e Santo Agostinho.
Santo Agostinho, o gênio intitulado pelos séculos “A Águia de Hipona”, antes de sua conversão transviou-se pelas sendas da heresia e do pecado. Sua mãe, Mônica, dera-lhe uma educação cristã e o bom exemplo de uma vida virtuosa. Com o filho extraviado, Mônica não cessava de rezar por ele, chorando amargamente seus desvarios.
Vai em busca do filho que atravessara o Mediterrâneo, e encontra em Milão um Santo: Ambrósio, arcebispo da cidade. Expõe-lhe sua amargura em ver Agostinho nas garras da heresia e da vida desregrada. Ante a aflição de Mônica, Santo Ambrósio a consola com a célebre frase: “Vai em paz, mulher. Deus não pode ser insensível a tantas lágrimas de uma mãe”.
De fato, Deus atendeu a Santa Mônica e Agostinho por fim converte-se e entra decidido nas vias da santidade. Mônica dá a sua missão por cumprida e quer retornar a sua terra natal, Hipona, no norte da África.
Antes de partir, mãe e filho conversam longamente, embalados pela graça e pelo fato de ambos estarem no mesmo caminho da virtude e do amor a Deus.
Bem, deixemos a palavra com o próprio Santo Agostinho, no texto que o Ofício Divino propõe. (*)
“Estando bem perto o dia em que ela deixaria esta vida — dia que conheceis [ele se dirige a Deus] e que nós ignorávamos — aconteceu por oculta disposição tua, como penso, que eu e ele estivéssemos sentados sozinhos perto da janela que dava para o jardim da casa onde nos tínhamos hospedado, lá em Óstia Tiberina. Ali, longe do povo, antes de embarcarmos, nos refazíamos da longa viagem. Falávamos a sós, com muita doçura, esquecendo-nos do passado, com olhos no futuro, indagávamos entre nós sobre a verdade presente, quem és tu [Deus], como seria a futura vida eterna dos santos, que olhos não viram, nem ouvidos ouviram nem subiu ao coração do homem (1Cor 2,9). mas ansiávamos com os lábios do coração pelas águas celestes de tua fonte, fonte da vida que está junto de ti.
Eu dizia estas coisas, não deste modo nem com estas palavras. No entanto, Senhor, tu sabes que naquele dia, enquanto falávamos, este mundo foi perdendo o valor, junto com todos os seus deleites. Então disse ela: ‘Filho, quanto a mim, nada mais me agrada nesta vida. Que faço ainda e por que ainda aqui estou, não sei. Toda a esperança terrena já desapareceu. Uma só coisa fazia-me desejar permanecer por algum tempo nesta vida: ver-te cristão católico, antes de morrer. Deus me atendeu com a maior generosidade, porque te vejo até como seu servo, desprezando a felicidade terrena. Que faço aqui?’
O que lhe respondi, não me lembro bem. Cinco dias depois, talvez, ou não muito mais, caiu com febre. (…)
Em seguida, olhando-nos, opressos pela tristeza, disse: ‘Sepultai vossa mãe’. Eu me calava e retinha as lágrimas.(…) ‘Ponde este corpo em qualquer lugar. Não vos preocupeis com ele. Só vos peço que vos lembreis de mim no altar de Deus, onde quer que estiverdes’. (…) No nono dia da sua doença, aos cinquenta e seis anos de idade e no trigésimo terceiro da minha vida, aquela alma piedosa e santa libertou-se do corpo”.
Santa Mônica partiu para o Céu. Anos depois, em seu voo de águia, parte Santo Agostinho para o colóquio eterno com Deus.
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