Há vários modos de se conceber uma viagem. Pode-se fazer dela um simples ir de um lado para outro na esperança de que a despreocupação distenda dos mil estresses da vida. Ou, de modo mais proveitoso, ir analisando aquilo que se vê e tirar lições para a vida.
Como o caro internauta visitante qualificaria as observações que seguem?
OS CASTELOS, MARIA E O PAPA
Marcelo Rezende
Percorrer os caminhos que cortam a antiga Europa é como folhear as páginas de um livro de História.
Atravessamos um vale, e ali se desenrolou uma lendária batalha. Cruzamos um rio que foi o limite entre dois poderosos impérios. Avistamos uma gruta na qual viveu um solitário, fundador de uma multissecular ordem religiosa.
Sabemos que a maior parte dos feitos humanos desapareceu anônima e fugazmente na voragem impiedosa do correr dos séculos. Ficaram na memória e nos alfarrábios só os nomes mais importantes, quer por sua grande virtude, quer por sua extrema maldade.
Outros testemunhos do passado são as antigas construções. Pelo menos, as que conseguiram sobreviver à erosão do tempo. E entre estas, talvez as que mais nos chamem a atenção sejam os velhos e robustos castelos. Eretos sobre montes e colinas, esses vetustos guardiões de pedra parecem ainda vigiar à distância, como se seus inimigos de outrora pudessem levantar-se do pó e novamente ameaçá-los.
É impossível falar de castelos sem falar da Espanha. Grande número deles foi construído durante a turbulenta Reconquista, a qual abrange o largo período entre os séculos VIII e XV.
Nessa conflituosa época, as populações ibéricas encontraram nos castelos um meio de se proteger ou de assegurar suas conquistas. De fato, as fronteiras instáveis e as intermináveis campanhas militares resultaram na construção de um número enorme de tais praças fortes: perto de 10 mil, segundo algumas estimativas.
Hoje restam cerca de 2.500, entre os quais podemos destacar o Castelo de Loarre, considerado uma das fortalezas românicas mais bem conservadas de toda a Espanha, e mesmo da Europa. Situado na serra de Gratal, a 35 quilômetros de distância de Huesca, ele foi construído no século XI por ordem do rei Sancho III para servir de atalaia sobre os montes.
Os alicerces de Loarre estão enraizados na rocha maciça, o que lhe proporcionava uma excelente defesa, pois era impossível ao inimigo escavar túneis sob suas muralhas.
Podem os castelos lembrar-nos virtudes cristãs? Sem dúvida. Em especial uma: a prudência. Uma fortificação quase milenar como a de Loarre ilustra de forma ótima aquela parábola do Divino Mestre: “Aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha” (Mt 7, 24).
O castelo é uma bela figura das disposições de espírito do bom cristão. Assim como aqueles antigos construtores procuravam o terreno mais consistente para nele edificar suas defesas, o católico deve orientar sua conduta pela Igreja e pelo Papa, a rocha firme na qual se sustenta a alma cristã. E, sobretudo, deve ter a prudência de buscar o mais seguro abrigo sobrenatural, ou seja, a maternal proteção de Nossa Senhora.
Segundo o admirável São Luís Maria Grignion de Montfort, essa boa Mãe vela por seus filhos, os ampara e acompanha como um exército em ordem de batalha: “Ut castrorumacies ordinata” (Ct 6, 4).
Estando ao abrigo de tão sólida fortaleza, o fiel nada haverá de temer. Amparada, consolada e protegida, sua vida espiritual será a realização das palavras da Escritura: “Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa; ela, porém, não caiu, porque estava edificada na rocha” (Mt 7, 25).
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(Originalmente publicado na revista “Arautos do Evangelho”, nº 75, março de 2008. Para acessar o exemplar do corrente mês clique aqui )
Ilustrações: Arautos do Evangelho, Sérgio Holmann
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